segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Lenine, por:Bruna Veloso- Revista Rolling Stone Brasil


No Parque Lage, Rio de Janeiro, Lenine desce do carro com ar etéreo: olhando para todos os lados do local, como se ainda não o conhecesse, sai caminhando sem se preocupar com seus acompanhantes. Deveríamos ir para a direção oposta, mas o homem magro e alto (mais do que quando visto no palco), de 52 anos, nem se perturba – segue no caminho contrário, sem escutar quando tento, timidamente, chamá-lo de volta. Ali, em uma tarde de julho, no meio do verde sem podas simétricas do parque, Lenine está em casa. A natureza, que tanto se faz presente em suas letras, fascina o músico – profissão: compositor, como define – a ponto de ele deixar disperso o pensamento. Mas o quê de hippie e a suposta desatenção são características que, depois de poucos minutos de conversa, dissipam-se na clareza e coesão com que Lenine coloca suas opiniões – sempre com convicção, mesmo que seja, paradoxalmente, para expressar algo sobre o que ainda não tem total certeza.

Apesar de pernambucano, Lenine abraçou há mais de 30 anos o Rio de Janeiro como lar. “Acho que viver no Rio realmente me formatou como cantor, como artista, como intérprete”, acredita. “É até engraçado, é tão evidente essa coisa nordestina que eu tenho. Mas, em todos os sentidos, a profissionalização do meu trabalho se deu no Rio. Sou um cidadão carioca realmente convicto.”

É na cidade que Lenine trabalhou em seu próximo disco, Chão, previsto para este mês, um dos assuntos sobre os quais falava, antes de o álbum ficar pronto, com resolução “cautelosa”. “A gente não para de criar até a industrialização. Enquanto não finalizar, não temos certeza, o que é muito bom. Essa incerteza é um benefício pra fazer o melhor”, ele acredita. Embora Lenine goste de frisar a constante busca por mudanças entre um trabalho e outro, este álbum deve causar uma surpresa maior a quem o conhece mais como um prolífico criador de trilhas sonoras de novelas (“Aquilo Que Dá no Coração”, por exemplo, serviu de abertura para Passione). Em Chão, não há bateria; a gravação e a produção são assinadas por Lenine ao lado do guitarrista JR Tostoi, parceiro musical de longa data, mas com um terceiro e novo elemento, o filho Bruno, 22 anos; e uma das inspirações para o álbum é a música concreta, que busca criar melodia a partir de sons cotidianos, não instrumentais. A faixa-título, por exemplo, tem o barulho de passos que percorre toda a estrutura da música; “Se Não For Amor Eu Cegue” é introduzida por batimentos de um coração marcando o ritmo. “Estou buscando caminhos diferentes, métodos diferentes. Talvez até a maneira de fazer tenha vindo em decorrência dessa procura de estímulo. Afinal de contas, eu só faço isso, há muitos anos”, divaga Lenine, explanando o porquê de um projeto tão distinto – e, também por isso, ousado – em sua carreira. “Eu acho que quando fica tudo muito fácil é hora de começar a desconfiar. Quando você faz com facilidade, quando fica muito cômodo...”

Rolling Stone Brasil, outubro/2011


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